Quando o Coração Bate por Dois

Neném chegando, preparativos a mil, novidades a aprender, mudanças a incorporar. É muita para coisa para um só coração, que suporta não apenas as grandes emoções da gravidez mas também uma série de adaptações que fazem o seu trabalho aumentar cerca de 60%.

 

Por https://www.gineco.com.br


Essa sobrecarga se deve ao aumento do volume de plasma (componente líquido) do sangue, incrementado de 45% a 50%, e a uma menor concentração de hemácias (células vermelhas), cujo volume fica 25% menor.

"A grávida fica hemodiluída, mas o volume sanguíneo total aumenta na casa de 60 a 65%. A gravidez representa para o coração uma sobrecarga que se compara ao esforço físico de intensidade média. É quase um trabalho braçal", ensina o professor titular de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade do ABC e professor associado de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade de São Paulo (USP), Dr. Sergio Peixoto.

Para completar o quadro, o volume que sai do coração a cada batimento aumenta em cerca de 40%. Tudo isso faz com o que o órgão muscular da grávida, além de ter de aguentar as altas emoções dos nove intensos meses de gestação, trabalhe bem mais do que o normal. Essa elevação obedece a um ritmo crescente, atingindo seu ápice por volta da 32ª semana, quando se estabiliza e assim segue até o final da gestação. Depois disso, há outros dois picos: no trabalho de parto e no pós-parto imediato 

"No trabalho de parto vem uma nova sobrecarga, por conta do esforço do momento. No pós-parto, depois que o neném já saiu do corpo, aquele sangue todo que estava contido na pélvis e na própria intimidade do útero sai e vai para a circulação geral. É como se fosse uma transfusão aguda", detalha o Dr. Peixoto. "São os momentos em que o cardiologista e o obstetra têm de ficar atentos. A sobrecarga cardíaca poderá levar a paciente a uma descompensação", completa o obstetra.

Essa descompensação pode tanto aflorar doenças cardíacas já existentes na mulher como fazer surgir as chamadas intercorrências (doenças repentinas que aparecem durante o desenrolar de um quadro já existente). É importante deixar claro, porém, que a gestação não causa, por si só, doenças cardíacas. "A gravidez não é o fator que faz uma cardiopatia surgir. Mas ela pode fazer com que a doença cardíaca fique mais grave", explica o Dr. Peixoto.


Check-up

Doenças cardíacas causam tontura, aceleração da frequência cardíaca, aumento do ritmo respiratório. Coincidentemente, são sintomas que a mulher sente durante a gravidez. "Muitas vezes aquelas queixas muito próprias da gestação mimetizam uma cardiopatia. Se a paciente tem essas queixas de forma mais persistente, tem de fazer avaliação cardiológica", diz o médico.

Ele recomenda a realização de avaliações cardíacas bem antes de engravidar, adotando o que classifica como gestação de 12 meses: os nove convencionais mais um período anterior à gravidez, quando a mulher avalia se está pronta para suportar a sobrecarga que virá nos meses seguintes.

Nesse check-up prévio, é bom conferir condições gerais de saúde, hábitos de vida, tabela de vacinação e até mesmo o estado emocional da futura mamãe. Para o obstetra, esse é o procedimento ideal, pois permite planejar melhor e de forma específica o pré-natal, sabendo no que é necessário prestar atenção. 

Se for encontrada alguma doença cardíaca, a mulher pode até optar por não engravidar, decisão que pode levar em conta, por exemplo, o grau da enfermidade. Segundo o órgão de saúde norte-americano New York Heart Association, há quatro graus de doenças cardíacas. O primeiro é aquele em que a enfermidade existe, porém sem sintoma nenhum. 

O grau 2 é aquele em que a paciente tem uma limitação ou uma dispneia (falta de ar ou incômodo ao respirar) ao fazer grandes esforços. No grau 3, ela tem dispneia quando faz pequenos esforços. Já no grau 4, ela tem falta de ar mesmo em repouso. Quando a doença é do grau 1, pode-se engravidar sem problemas. A partir da segunda classe, segundo o Dr. Peixoto, é importante ficar alerta.

Caminho certo

Havendo algum sintoma mais forte durante a gravidez – como palpitação, aumento de frequência cardíaca e respiratória, falta de ar ao fazer pequenos esforços –, a mulher deve procurar seu obstetra, que, por sua vez, a encaminhará ao cardiologista. "A grávida não deve fazer nenhuma terapia nem tomar remédios antes de fazer o diagnóstico correto. Não deve tomar nada de maneira empírica", enfatiza o Dr. Peixoto.

Se todas ficarem atentas a esses sintomas e cuidarem de maneira correta das possíveis doenças, não há nada a temer. Pelo contrário: após a gestação, tudo volta ao normal. “A paciente tem piora funcional durante a gravidez. Se evoluiu bem, depois do parto as coisas retornam. A sobrecarga deixou de existir”, diz o Dr. Peixoto.

Aí, é só se preparar para outros tipos de grandes emoções, que também farão o coração bater mais forte.