Parto na água

 

Ele passou nove meses dentro da bolsa amniótica, dando cambalhotas e fazendo outras estripulias. Dali, num parto feito na água, viu-se novamente mergulhando num líquido quentinho, parecido com a barriga da mãe. Uma forma tranquila de nascer, que a cada dia ganha novos adeptos em todo o país.

 

Por Selma Momesso - CRESCER

Nascer na água

 

Quando estava grávida de Talita, a professora Roberta Silveira Cardoso assistiu a uma  reportagem na televisão que mostrava um parto sendo feito na água. Entusiasmada com a ideia, convenceu o marido a comprar uma piscina plástica – estava decidida a ter sua filha na água, e em casa.

Chegado o grande dia, tudo correu bem: foram oito horas de trabalho de parto, o marido junto dela na piscina, apoiando suas costas. Do lado de fora, o médico apenas acompanhando a evolução das contrações. Então Talita nasceu. E flutuou na água com desenvoltura, “como se fosse um peixinho”. Segundos depois já se aconchegava no colo da mãe, enquanto o pai cortava o cordão umbilical.

Seis anos mais tarde, Roberta diz que não podia ter feito opção melhor. “Minha filha é superalegre, sadia, independente e tem uma grande intimidade com a água”. De fato, aos 11 meses Talita já ensaiava as primeiras braçadas. Aos 5 anos, pulava de um trampolim de 5 metros de altura. E a experiência foi tão gratificante que a professora decidiu repetir a dose. Há um ano deu à luz Felipe, também num parto feito na água.

A cada dia, mais e mais gestantes planejam ter seus filhos dessa forma. O obstetra Adailton Salvatore Meira, que acompanhou os partos de Roberta, comprova: a procura pela técnica aumentou bastante nos últimos anos. Só por sua clínica em Campinas, interior de São Paulo, já passaram cerca de cinquenta casais interessados em fazer partos na água, todos dispostos a participar ativamente do nascimento dos filhos e colocá-los no mundo de uma forma que lhe pareça menos traumática.

A primeira pergunta de todas as gestantes, quando se fala no assunto, é sempre a mesma: “Meu filho não corre risco de se afogar ?”. De forma nenhuma, afirma o obstetra. Quando nasce, o bebê ainda respira pelo cordão umbilical e pode continuar explorando o novo meio por cerca de 20 segundos. Em contato com um ambiente conhecido ( a criança passou nove meses boiando na barriga da mãe), ela expande seus pulmões aos poucos, de forma lenta e progressiva.

Para que tudo aconteça num clima de total tranquilidade, Adailton Meira prepara a sala de parto com essências aromáticas, luz branda e uma música ambiente suave. Também aquece a água a uma temperatura agradável – cerca de 36° Celsius–, para relaxar os músculos da grávida e aliviar as dores das contrações. Na maior parte das vezes, a anestesia não é necessária.

Mas que se dispuser a esse tipo de parto deve começar a preparação bem cedo –já a partir do quarto mês. Divididas em grupos, as gestantes aprendem exercícios aquáticos, respiratórios e musculares. O pai também participa do curso pré-natal, pois tem uma tarefa importante a cumprir no nascimento do filho: entrar na banheira junto com a mãe para apoiá-la e massageá-la.

O médico procura não interferir no parto. À medida que se acentuam as contrações, é a mulher quem escolhe a melhor posição – de cócoras (com as mãos apoiadas na borda da banheira), de quatro, em pé ou reclinada.

Francisco Vargas de Oliveira, ginecologista e homeopata carioca, faz partos na água há oito anos e nunca enfrentou problemas com suas pacientes. Além de florais de Bach, incensos e essências escolhidos pela própria gestante, ele prepara a água na banheira com sal marinho, “para descarregar as energias e tornar o ambiente ainda mais semelhante ao da bolsa amniótica”. Mas sua participação não vai muito além: “Quem faz o parto é a mãe, eu apenas assisto”.

Adepto dos partos naturais e um dos precursores do parto na água no Brasil, o médico Antonio Jorge de Sá Bittencourt Câmara também defende de uma participação mínima do obstetra no nascimento da criança. Desde 1980, ele acompanhou mais de trezentos partos na água e viveu uma experiência bastante diferente da dos outros médicos: quatro de duas pacientes tiveram os seus filhos no mar.

A ideia de “naturalizar” a sala de parto lhe veio à cabeça depois que comprou uma casa de praia em Salvador. As águas limpas e quentes do local o levaram a uma reflexão: “Em vez de criarmos um ambiente artificial, por que não aproveitar as condições oferecidas pela própria natureza para conceber?”. Levou tudo para lá – balão de oxigênio, material esterilizado, lampiões a gás, instrumento de medição.

Nem todas as candidatas, porém, puderam se submeter à experiência. O obstetra decidiu selecionar apenas as que já haviam tido filhos na água em uma gravidez anterior. “É importante que a mãe se sinta segura e tenha bastante afinidade com a técnica e o médico”, explica.

É o caso da bailarina e filósofa Silvana Vasques de Matos, de 30 anos, a primeira paciente de Jorge de Sá a reunir todos os atributos para ter um filho no mar. Silvana havia tido sua primeira filha na água –Gaia, hoje com 6 anos. O parto foi feito na maternidade, sem anestesia e sem cortes. “Não senti dor alguma, saí da banheira morrendo de fome”.

Tempos depois, ela aceitou fazer o parto de seu segundo filho no mar. Acomodada em uma casa de praia, começou a passear pela areia quando sentiu as primeiras contrações. Já era noite, as ondas estavam altas e ela se apoiou no marido e no obstetra para entrar no mar. Na segunda contração forte, Ariel nasceu e nadou por alguns segundos. “Nunca senti uma emoção tão intensa. Foi o momento mais belo da minha vida.” Com o filho nos braços, Silvana voltou para a praia, andando calmamente. A placenta, símbolo de prosperidade para os naturalistas, foi jogada ao mar.